domingo, julho 28, 2013

Diário (com auto-retrato): um dia in heaven entre orégãos, cedros que parecem misteriosos homens dos bosques, pedras que parecem folhas, troncos que deitam ouro brilhante ou se cobrem das cores com que me cubro, folhas de árvore que se põem iguais às dos painéis de azulejos. Lição a retirar daqui? Simples, meus caros Leitores: Les + grands secrets se cachent dans la lumière.


No post abaixo já disse o que tinha a dizer de Paulo Portas, aquele a quem a TVI chamou histérico por tão ufano estar na tomada de posse dos Secretários de Estado. Mostrei-vos o vídeo para que confirmassem o seu incompreensível estado de exuberante euforia, e desabafei, contando-vos o meu veredicto sobre ele depois de tudo o que se passou.

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Mas agora parto para outra. Não gosto de ficar com travo amargo na boca. Gosto de estar bem disposta, gosto de falar do que gosto, gosto de vos convidar para junto do que gosto.

[Aviso para alinharmos expectativas: já sabem que gosto de coisas simples, por isso não esperem grandes coisas, está bem? São apenas as minhas pequenas coisas do costume]


Música, por favor, Katie Melua.

 Thank you, stars




Continuo in heaven e os dias continuam a deslizar tranquilamente. Deito-me tarde, levanto-me tarde, faço uma caminhada, várias voltas ao meu quintal (e, aqui, vejam um sorriso como cumprimento ao Leitor que ontem se desculpou por chamar quintal aqui ao meu pedaço - nada a desculpar-se, é mesmo o meu quintal, o meu jardim, o meu bocadinho de paraíso aqui na terra e por aqui já muito brincou a minha grande amiga que há uns anos nos deixou, uma boxer de pêlo cor de mel, meiga e brincalhona), ando até perfazer quase cinco quilómetros, varro, limpo o mato, podo árvores, faço limpezas dentro e fora de casa (este domingo vou fazer uma valente faxina dentro de portas), faço as refeições, leio, fotografo. Pouco mais. Um doce remanso.

Hoje, para além do resto, andei a apanhar orégãos. Este domingo vou a casa dos meus pais e todos os anos, por estas alturas, lhes levo umas braçadas deles. A minha mãe há-de secá-los na varanda, depois há-de distribui-los por frasquinhos que oferece aos meus tios, primos, por mim e por toda a tropa associada e talvez por mais alguém. Também fica com alguns, claro. Não os dispensamos a temperar a salada. Fica mais saborosa, mais fresca, com o sabor do mediterrâneo. Por vezes também os salpico pelos pratos de forno, por cima, para lhes abrir o sabor. Ou isso ou alecrim (nos pratos de forno, não nas saladas).



Um dos molhos de orégãos, floridos, cheirosos, mesmo no ponto, nem verdes, nem secos.


(Está em cima de uma mesa debaixo do telheiro onde se fazem os grelhados.
Reparem como há lenha por todo o lado: estão a ver na bancada, também?
Não me agrada nada mas onde pô-la se todos os locais destinados a ela estão ocupados...?)



No outro dia, um senhor aqui da terra, mostrou-me um ramo e perguntou-me se eu sabia o que era. Disse-lhe que sim, que eram orégãos. Ele sorriu e disse, 'pois, oregos', como se tivesse que ensinar à senhora da cidade que não é orégão que se diz mas, sim, orego. Daí para a frente a conversa continuou, eu a dizer orégãos e ele, convicto, oregos.

Deve ter pensado que eu não 'captei'. 

Acontece-me também isto quando às vezes estou com alguém que me pergunta se não li uma pepineira qualquer, daquelas muito em voga. Se eu digo que não, a pessoa faz um ar vagamente superior, conta-me a maravilha que é, e depois pergunta-me se li um outro e eu também não li e, depois de mais uma ou outra tentativa, a pessoa desiste, deve achar que bruta mais bruta não há. Fazer o quê? Não me vou pôr a dar lições de literatura, não é? Quem sou eu para isso? Prefiro passar por burra. Olha, paciência.

E, por falar em lenha, hoje, ao passar por mais um monte dela, reparei que um tronco brilhava, enfeitado de ouro. Aproximei-me. Gotinhas brilhantes, a seiva parecia ainda viva. Fui buscar a máquina fotográfica, quero guardar a imagem. Dá pena pensar que vou queimar esta lenha. Tão bonita e ainda tão cheia de vida. E reparem no tronco que está ao lado. A madeira é macia, passo a mão por ela, tão macia, suave, e tem uma cor linda, um camel de veludo, e vem de lá um perfume tão bom.



Troncos das minhas árvores que caíram com o vendaval.
De um sai uma resina brilhante, cheia de luz.



Tenho verdadeira devoção por árvores. Hoje fiz várias fotografias a um dos cedros, um que plantei com poucos centímetros e que agora está gigante, belíssimo. O seu tronco é uma maravilha, rendilhado, franjas de prata, é um mundo, faz-me lembrar as imagens que associamos aos bosques misteriosos.



Tronco de cedro



Quando passo por lá ao fim do dia, quase lusco-fusco - naquela hora em que os bichos pensam que a terra é já só deles e que se podem acomodar no mato ou dentro das árvores porque ninguém os virá importunar - à medida que passo ouço um restolhar, bichos que fogem, pássaros que batem as asas. Faz alguma impressão.

Uma prima minha há tempos, ao andar por ali comigo, e já pouco se via, escureceu enquanto por lá andávamos, ia agarrada a mim e perguntava 'ouve lá, tu tens mesmo a certeza que são só bichos...?' e eu sosseguei-a, que sim, que eram só bichos. Como se ser só bicho garantisse a inocência de alguém. Mas enfim. Nos momentos de susto a gente agarra-se a qualquer ilusão. No entanto, sei lá se este cedro de noite não se transforma num velho com umas barbas cinzentas, grandes, tão grandes que lhe cobrem as peles do corpo velho e não anda por ali, a ver se descobre mulheres que se tenham perdido no meio da noite?

Mas de dia, com a luz do sol, tudo resplandece. Não estou a exagerar. 




Talvez porque eu gosto de cor, para fazer pendant com os meus chinelos, o tronco de algumas árvores está como pintado de amarelo, preciosas manchas luminosas. 

(E esta é a fotografia que justifica que eu tenha dito, no título, que hoje o diário vinha com auto-retrato. Vou-me mostrando aos poucos, sou muito tímida)







Se eu fosse habilidosa, colocaria as fotografias ao lado uma da outra para melhor comprovar o que digo. Assim, tem que ser uma por baixo da outra.

Mas já viram como estão lindos os troncos das aroeiras? E os amarelos não são iguais?

(Espero que isto sejam líquenes, coisa benigna, e que seja normal que se formem assim, que não seja sinal de nenhuma maleita. Mas não há-de ser, com esta beleza exuberante tem que ser uma coisa boa)







E, já agora, por falar em mimetismo: por aqui, todo o mundo imita todo o mundo, uma alegria, como se toda a gente fizesse coro, quisesse pertencer à mesma equipa. E estou a falar em gente mas, claro, estou a ser abrangente, tratando por gente as folhas, os troncos, as pedras.

Vou mostrar-vos para que não pensem que estou doida. 



Pedra sobre terra com folhas secas e esteva com florzinhas secas



Repararam como tudo parece querer ficar parecido? Sobre aquela rocha e outras como ela (grande parte do terreno é assim, rochas a brotarem do chão) vão aparecendo manchinhas das mesmas cores que as pequenas folhas secas que as rodeiam. Não é engraçado? Uma pessoa pensa que são apenas os animais (alguns) que se transfiguram para ficarem parecidos com o meio onde se encontram; mas não: encontro isso aqui na terra, a todo o momento.

Fotografei também um tronco que está cinzento e que tem manchas cinzentas e brancas e que está ao pé de um muro branco que está com manchas cinzentas. Iguais. Mas poupo-vos, não vou maçar-vos para além da conta.

No entanto, só mais umas coisa. Reparem para não dizerem que sou uma exagerada.





Uma conjugação que acho perfeita é a deste painel de azulejos que está sobre um muro branco.

Quando o sol está sobre as árvores, perpassa por entre a folhagem uma luz dourada, entrecortada de sombras. Fica lindo. Poderia viver ali encostada, tanto que me encanto com isto.



Por trás desse muro está um cedro, um cipreste e um choupo.

E as folhas do choupo ficam umas verdes e outras douradas, tal e qual as do painel.

Quando ali pus este painel ainda as árvores eram bebés e nunca me ocorreu que um dia o efeito fosse este. Parece de propósito, tão bonito que fica. 

Às vezes, a posteriori, até parece que fui guiada.



Les + (plus) grands secrets se cachent dans la lumière


(Está escrito neste painel que aqui não se vê todo.
Para os que não sabem francês, traduzo:
Os maiores segredos escondem-se à luz
que é como quem diz: estão à vista, para quem os quiser ver)




Assim é a beleza. Se cache dans la lumière. À vista de todos. Mas apenas para os que a querem ver.

E por aqui me fico, que isto está longo, longo, e para mim tudo isto é um encantamento mas, para vocês, temo que seja uma seca das valentes. 

Para tentar desculpar-me, mostro-vos outra coisa, desta vez uma que eu gostava de saber fazer. Se em vez de andar a apanhar orégãos ou a fotografar pedras, me aplicasse a fazer ginástica a sério talvez viesse um dia a conseguir fazer alguma coisa vagamente parecida (enfim, não digo que suspensa, nem digo que de pernas para o ar... mas, vá lá, uma outra gracinha...). Assim, limito-me a ver, com admiração.





É Elena Gatilova, também conhecida por Lucky Moon. Foi Campeã Mundial de ginástica ritmítica e participou durante 5 anos no Cirque du Soleil. 


A sua elasticidade e graciosidades são surpreendentes, não são? Olho-a e imagino que sou eu que assim me movo por entre as árvores, escondendo-me entre as sombras, ou procurando a luz.


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Se quiserem agora ver um outro filme, o de Paulo Portas e a sua amiga Pinóquia na tomada de posse do bruninho que assim se vem juntar ao lombinha e à vaninha, é descerem até ao post a seguir a este. Mas, confesso, não sei se é boa ideia.

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E com isto me vou. Tenham, meus caros leitores, um bom domingo. 
Alegria é que é preciso. E outras coisas também, claro.

3 comentários:

Anónimo disse...

Este se Post e as árvores de algum modo "levaram-me" até ao livro de Bagão Felix, "Trinta Árvores, em discurso directo", um livro muito curioso, que descobri outro dia na Fnac.
P.Rufino

MCP disse...

Adoro estes seus posts sobre a natureza e em especial sobre as suas vivências no seu "heaven"!!!
Nos outros, admiro a coragem de dizer o que pensa, doa a quem doer...mas nestes sente-se uma paz de alma, é como se estivéssemos a viver tudo o que descreve.
Obrigada por todas estas partilhas.
Continuação de boas férias.
Um grande beijinho.
MCP

Maria Eduardo disse...

Olá UJM,
Como costuma dizer, aqui a história foi outra. Foi a natureza do seu heaven, e o seu olhar a vir até nós!...
Não foi seca nenhuma, como diz, mas sim um prazer enorme seguir do princípio ao fim este percurso quase misterioso, que nos foi mostrando com um jeitinho muito manso e "tímido"!?... senti uma tranquilidade e uma sensação de bem estar muito grandes por estar a ser guiada por uma pessoa que ama tudo aquilo que vê, descreve e fotografa. Apreciei imenso as transfigurações das pedras e folhas, a conjugação das cores, e confesso que vi beleza em tudo o que nos mostrou.
Adoro orégão, também não o dispenso em saladas.
Só me resta agradecer-lhe este momento desejar-lhe a continuação de boas férias e que o seu heaven continue a deslumbrá-la com toda a sua beleza.
Um beijinho