segunda-feira, setembro 30, 2013

Balanço dos resultados das eleições autárquicas 2013. O avanço da CDU, o esvaimento do BE, o deslumbramento do CDS, o vexame do PSD e a vitória do PS. Os porquês e os 'e agora' de cada um destes partidos. [Eu armada em comentadora política, ora bem]


No post abaixo fiz a minha análise a quente dos resultados dos 5 municípios mais dramáticos para o PSD, Lisboa, Porto, Gaia, Sintra, Oeiras. 

Mas, agora, aqui, vamos lá a fazer um balanço geral deste dia de eleições. Não sou pessoa especialmente atenta nem disciplinada e, além do mais, aqui em casa o zapping é coisa que se pratica com muita insistência pelo que dificilmente se consegue ver alguma coisa de seguida.

Portanto, não garanto que o que vou dizer seja uma análise muito rigorosa. Mas acho que isso não deve ser grave já que quem quiser ler análises rigorosas e isentas poderá ler as que são feitas por gente instruída e isenta como o esperto Henrique Raposo, o estratega Henrique Monteiro e outros da mesma envergadura intelectual.

Ora bem, vou tentar guiar-me pelos discursos dos líderes partidários para ver se me mantenho fiel às palavras deles.


CDU



Jerónimo, o velho lobo, e Bernardino, o  novo presidente da Câmara de Loures
- a fabilidade e a honestidade na política 

Jerónimo de Sousa foi o mesmo de sempre: um homem honesto que aponta erros da governação, que defende a consistência da posição comunista, que promete acção na luta (ou luta na acção - não sei se a ordem dos factores aqui é relevante). 


Nas palavras dos comunistas jamais se vê uma palavra nova, um rasgão na realidade que abra caminhos diferentes. São o que são, conservadores e consistentes. Na gestão autárquica são geralmente honestos e a população retribui essa correcção.

Fico contente com os resultados francamente bons da CDU. É gente que se esforça e que merece. 

Fico especialmente contente com a vitória de Bernardino Soares. É um grande município, complexo, e tenho a melhor das opiniões do novo presidente de Loures. 


Fico também contente porque uma pessoa de quem sou aparentada (acho que se diz assim da família por afinidade) ganhou a presidência de um município. Não é vida fácil a dos Presidentes de Câmaras e, por tudo, a essa pessoa desejo toda a sorte do mundo.


Bloco de Esquerda


João Semedo e Catarina Martins, a encantadora dupla do BE, honestos e certeiros
- mas não chega. 

À hora a que escrevo ainda não sei se João Semedo foi eleito para vereador de Lisboa. O que sei é que o BE perdeu Salvaterra e que, no conjunto, foi varrido do mapa autárquico. 


Ouvi-o há pouco. Queixou-se das televisões. As televisões não são flores que se cheirem, fazem fretes, colocam e descolocam pessoas no poder. Se o BE teve de início uma excelente imprensa, talvez agora haja alguma indiferença. Não sei. No outro dia, o Marcelo Rebelo de Sousa referiu-se a eles como 'aquela dupla encantadora' e senti nele a ternura que se dedica aos irrelevantes da política. E eu senti o mesmo. João Semedo é um querido, simpático, certeiro no que diz, a Catarina é rija, fala bem, é, ao mesmo tempo, sintéctica e analítica mas, para além da bizarria de ser uma dupla a comandar um partido, poucos mais há que eles. É um partido que, paulatinamente, vai tendendo para zero.

Na comunicação ao país no rescaldo das eleições e sem saber o seu futuro, João Semedo falou, pois, da derrota dos partidos do Governo e queixou-se das televisões. Acho que ninguém se comoveu. Com a perda de Miguel Portas, com a saída de Francisco Louçã, agora com o afastamento da Ana Drago (e, tempos antes, da Joana Amaral Dias), o BE foi perdendo o glamour, o cosmopolitismo irreverente, a novidade da esquerda caviar, das meninas bonitas de esquerda. Pouco fica. Até porque, no que se refere a homens bonitos, já no outro dia aqui o disse: agora não há como o PCP.



CDS


Paulo Portas, a arte de passar através dos pingos da chuva
Anda na política, à chuva, e tem a arte de conseguir não se molhar
(mas são sempre de Pirro as suas pequenas vitórias)

Pois. Lá apareceu o Paulo Portas todo contente, agora fecha os olhos com delongas para mostrar como está agradado, e faz gracinhas como a da mão de dedos abertos para dizer que o CDS teve o seu penta com as suas 5 câmaras. Teria razão para estar contentinho (mas não razão para estar tão contentezão). 


Com cinco câmaras não se pode dizer que tenha alguma influência a nível autárquico. Mas, enfim, artista como é, faz de conta que não tem nada a ver com as derrotas que sofreu nos locais em que estava em coligação, e canta de galo com 5 câmaras. Mas que fique contente. Tinha só 1, agora tem 5, pronto, nesta politicazinha liliputiana as coisinhas pequenas parecem grandes. Não quero com isto desmerecer as câmaras que passaram para o CDS. Aliás, ainda no outro dia me contaram que Ponte de Lima está um miminho. Tudo certo. Não se percebe é aquela alegria esfusiante. 

Que mais posso dizer? Nada. Paulo Portas não consegue ser contido, não consegue parar para pensar. Aquele impulso que, pelos vistos, não consegue travar leva-o a não ver as coisas em perspectiva. Neste caso não vê que se ridiculariza por, no meio dos resultados da noite eleitoral, aparecer deslumbrado e radiante como se tivesse ganho não 5 mas, sim, 500 das 300 câmaras.



PSD


Pedro Passos Coelho, um sujeito mal preparado, mal formado
e, ainda por cima, mal encarado
O País está farto dele.

Dá dó. Arrasado nos municípios mais relevantes do País, o PSD sofreu um vexame, uma humilhante derrota. Ao escolher figuras como as que escolheu e com o país aborrecido com as suas políticas, o PSD mostrou não perceber a raça de que os portugueses são feitos. Digo isto e a mim própria me apetece rebater (e isto porque os portugueses, se fossem mesmo de uma raça vigorosa, não tinham era dado nem um único voto a gente como o Abreu Amorim, o Seara, o Menezes, o Moita Flores, o Pedro Pinto).


Mas, enfim, as coisas são o que são.

No entanto, a desgraça não foi apenas nestas 5 câmaras: o PSD foi varrido de muitas outras. Ou seja, há muito presidente, vereador, assessor e amigos que vão ao ar. Ora o PSD é o partido por excelência do país profundo, do caciquismo, das influências. Ao apear tanta gente por esse país fora, o PSD vai ficar em rebuliço. Cheira-me que estas vão ser noites de facas longas. O PSD vai começar a perceber o que os espera quando as eleições forem as legislativas e não acredito que as concelhias e as distritais se deixem ficar sossegadas. Não se vão deixar. 

E depois há a Madeira. Foi patético ver o Alberto João. Vencido. Ainda a ensaiar uns rugidos mas já sem força para isso. As pessoas deveriam saber sair a tempo. Ao não sair, é outro vexame. Um reduto do PSD, até esse, a ruir a olhos vistos.


Mas depois houve o discurso de Passos Coelho. Infeliz. Seco, amargo, distante: uma pessoa que se afastou da realidade. Chegou ali e com aquela sua voz bem colocada que tende a enganar às primeiras impressões (parece que as pessoas gostam de ser enganadas por quem lhes fala com voz de barítono) reconheceu que o PSD saíu derrotado, que o PS ganhou e que, pela parte que lhe toca, o que pode prometer é que vai continuar a fazer o que tem feito até aqui. O Cacos Coelho é daqueles malucos que faz tudo mal feito, que chefia um governo que faz tudo mal feito, que chefia um partido que anda desgovernado, às aranhas, perdidos, cada um para seu lado - e que não percebe coisa nenhuma. Faz uma e outra vez o mesmo disparate e a única coisa que conclui é que deve continuar a fazê-lo. Nada a fazer com uma criatura assim. Um desastre.

Ou melhor: tudo a fazer. Retirá-lo de onde está.


[Vejam por favor as semelhanças: 

o PSD de Passos Coelho & Marco António Costa e os malucos do Monty Phyton]






PS


António José Seguro, um político cauteloso, bem comportado, bem intencionado
- mas o pior é que não precisava de ser taaaaaanto...

Além disso, com esta cara é difícil não pensar nele como outro Hollande,
muito piu-piu,
coitado.

António Costa teve uma vitória fantástica. António Costa é um político de mão cheia. António Costa escolheu, desta vez, para seu número dois um outro homem muito bom, Fernando Medina. A Câmara de Lisboa estaria muito bem nas mãos de Fernando Medina. O Partido Socialista estaria muito melhor nas mãos de António Costa do que nas mãos do Tozé Seguro. Portugal estaria muito melhor nas mãos de um Partido Socialista que estivesse nas mãos de António Costa do que em quaisquer outras (remetendo-me apenas às figuras conhecidas que se perfilam). 


O discurso de vitória de António Costa foi de festa. Rodeado por rostos conhecidos, sorrisos abertos, palmas, alegria, rostos de gente ganhadora. António Costa apresentou-se - e muito justamente - vitorioso.

A seguir apareceu o Tozé Seguro. Uma sala pífia, meia dúzia de gatos pingados. O Zorrinho estava com cara de quem foi arrancado da cama à pressa para ir para ali fazer número: olheirento, mal penteado, ar de quem nem conseguiria dizer uma palavra quanto mais bater palmas. Depois mais uns quantos com ar igualmente ensonado. No meio de um palco vazio, o Tozé parecia pequenino, apagado. Com um ar tristinho que dava pena, disse que tinha ganho e que é alternativa. Mas o fácies não consegue convencer-nos: as sobrancelhas descaídas, o cabelo encrespado a precisar de um bom corte, a ler um discursos em voz monocórdica, todo ele apagado, ar de vencido.


Sendo a pessoa que mais razão tinha para estar em festa, o bom do Tozé apareceu-nos com cara de perdedor. Nada a fazer. Não consegue mobilizar-se a ele próprio, quanto mais o partido, e, quanto mais, o País. Conseguiu uma bela vitória - mas não por mérito dele; antes por absoluto demérito dos outros nabos.

Mas, enfim, o PS ganhou: a contabilidade dos votos, dos vereadores, dos presidentes assim o determina. Tomara que façam por merecer esta vitória e tomara que ganhem ânimo para lutarem como leões e não como cãezinhos amestrados.


Abstenção, nulos e brancos


Lamento mas não tenho dados que me permitam opinar. Deve ter sido uma percentagem alta e não me admiro. Pela amostra que tive oportunidade de conhecer, deduzo que grande parte das listas deve ter sido de uma indigência constrangedora e, para além do mais, as pessoas estão fartas de tanto troca-tintas, tanta arrivista, tanta nulidade no poder. Mas como não sei números, fico-me por aqui.


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Sobre as reacções das 5 estrelas-perdedoras do PSD (Seara, Menezes, Moita Flores, Pedro Pinto e Abreu Amorim), por favor, desçam um pouco mais, até ao post seguinte.

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E por aqui me fico. Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana.

domingo, setembro 29, 2013

O PSD pelas mãos de Passos Coelho leva uma tareia que não acaba, provando-se assim, uma vez mais, que esta criatura não tem uma cabeça excepcional, pelo que está a destruir o PSD (como é que um inteligente destes podia ser capaz de gerir o País...?). Estas autárquicas são um vexame para o PSD: escolhas feitas com os pés, uma gentinha desagradável com quem a população não sente afinidade, e deu no que deu. Menezes, Seara, Abreu Amorim, Pedro Pinto, Moita Flores. Estes são alguns que parece que já é certo que levaram um valente par de patins.


Lisboa

O que tenho, para já, a realçar: o mau perder de Seara, com cara de quem comeu e não gostou, furioso, ressabiado. Ao lado dele a Teresa Leal Coelho também toda trombuda. Fiquei convencida que aquela gente ainda vai morder alguém esta noite.

De realçar, a propósito do Seara, o sangue frio da Judite de Sousa. Será que resistiu à tentação de lhe mandar um sms a dizer 'toma e embrulha'?

Vitória brilhante para António Costa em Lisboa.


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Porto

Quanto à derrota do chorãozito Luís Filipe Menezes até deu dó vê-lo a assumir a inesperada derrota: que isto, aquilo e o outro e que mais não sei o quê - nada que valha a pena relatar aqui. Andou a cantar de galo, convencido que oferendas e prebendas compravam o voto da população e a população mandou-o ir chatear outro. 

Vitória clara para Rui Moreira e Rui Rio no Porto.


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Vila Nova de Gaia

Quanto ao inefável Abreu Amorim não tenho nada a dizer. Pior que essa rotunda e camaleónica figura é quem o escolheu. Não falo apenas no inteligente Passos Coelho mas também naquele fulano que tem ar de cão com pulgas, que tanto se empenhou nestas escolhas. Só se a população de Gaia estivesse toda com os copos na altura de votar é que o Abreu Amorim ia a presidente. De gargalhada aquela escolha.

Parece que em Gaia ganhou o PS mas não sei quem encabeça a lista

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Sintra

Quanto ao Pedro Pinto, com aquele ar de quem se quer fazer passar por benzoca, arrogantezeco, barriga de quem o sucesso se lhe alojou ali e dali não sai (o que convenhamos não traz felicidade a ninguém), não tinha hipóteses nenhumas. Quem é que ia querer um sujeito daqueles em presidente? E a voz dele...? Credo, que aquilo não augura nada hábitos saudáveis.


Parece que em Sintra é capaz de ganhar o PS com Basílio Horta mas, à hora em que escrevo, ainda não se sabe ao certo.


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Oeiras

O que me deixa com a cabeça às voltas é Oeiras. É certo que só se as pessoas estivessem muito agoniadas é que iam acoitar o fugitivo Moita Flores. É certo também que aquele rapaz do PS, desconhecido, acho eu, não inspirava grande confiança como sucessor de alguém que é conhecido por fazer obra. Mas, ó senhores, as pessoas vão votar na lista de um prisioneiro? Tudo a gritar Isaltino, Isaltino... Está tudo doido.

Neste caso acho que em Oeiras ganhou a bipolaridade de parte da população. E mais não consigo dizer que isto atenta contra a minha inteligência.


***

A esta altura em que escrevo, parece que a CDU também se está sair bem e isso é bom pois costumam ser bons autarcas. Escolheram pessoas capazes que inspiram confiança. Aí esteve mal o PS que, em vários municípios, escolheu nomes de quem as pessoas mal ouviram falar. 

Afinal a Manuela Moura Guedes não fez cirurgias por razões estéticas mas sim porque tinha uma doença no rosto. E, por isso, aqui estou a reparar a minha incorrecção. E, de caminho, falo sobre uma coisa que escrevi no outro dia e que percebi que impressionou uma pessoa que me escreveu. Contra a solidão, a tristeza e as sombras que venha a luz e que cantem os three little birds. Haja alegria, minha gente.


No post abaixo falo do gnomo no jardim, ou seja, falo do artigo assim intitulado da autoria de Clara Ferreira Alves, no Expresso deste sábado, e que incide sobre o último livro de José Rodrigues dos Santos. Um artigo imperdível.

Mas isso é a seguir. Aqui, agora, reparo uma incorrecção minha e reflicto sobre uma coisa que, no outro dia, aqui escrevi.

*


Manuela Moura Guedes no Quem quer ser Milionário


Primeira observação: referi-me no outro dia ao regresso de Manuela Moura Guedes à televisão e às entrevistas que ela anda a dar por tudo o que é órgão de comunicação social. Não é pessoa cujo exercício profissional me agrade. Também me desagrada o tom que usa para falar e as expressões que faz, que me parecem descabidas. O tom de voz e os trejeitos quase anulam o que diz.

Mas referi-me às cirurgias plásticas que tem feito e que não a têm favorecido nada. Ora, em mais uma entrevista, desta vez no Expresso (as agências de comunicação a funcionarem em grande: arranjando publicidade através destas presenças), Manuela Moura Guedes refere que não foram cirurgias voluntárias mas sim fruto de uma maleita que a atormentou e que bastante mossa lhe devem ter feito pois diz que foi nessa altura que começou a tomar anti-depressivos. Diz que lhe apareceram quistos no rosto, que a deixaram deformada e que, na altura, teve que continuar a trabalhar porque as audiências estavam em alta, não podia deixar de aparecer. Imagino o tormento que deve ter sido. Teve que tirar os quistos, fazer infiltrações de corticóides. Acrescenta que só agora, com um médico iraniano, é que está a recuperar as suas feições.


Por isso, justiça seja feita: foi corajosa em ter continuado a expôr-se apesar dessa doença estranha e teve que ser também muito corajosa para suportar as observações desagradáveis referindo as operações plásticas quando, afinal, se tratava de uma doença.

E eu aqui, pela parte que me toca, reparo o meu erro.

*

Segunda observação: recebi hoje um mail em que se transcrevia um pequeno excerto de um texto escrito por mim, dizendo que, de facto, é assim mesmo que se passa.

O excerto é este:


As sombras não são boas companheiras, parece que sugam a vida. 

Aos poucos, a vida, destituída de luz, vai procurando mais e mais sombra, a matéria vai ficando rarefeita, apenas o silêncio já parece suportável. 

E depois já não são apenas sombras, já é um negrume que avança como irreversível gangrena.




Li a frase quase como se não tivesse sido escrita por mim. E assustei-me um pouco: tomara que estas minhas palavras não causem mais ansiedade em quem se sinta assim, rodeado por sombras. 

Não era essa a minha intenção. Muito pelo contrário, por eu achar aquilo mesmo que escrevi, é que tantas vezes aqui apelo a que, quem se sinta aflito, sozinho, sem apoio, sem ver saídas para os seus problemas, peça ajuda, não receie pedir ajuda. E saia de casa, abra as janelas e respire ar fresco, e passeie, e vá ao cinema, e ouça música, e qualquer coisa que ajude a trazer para fora da zona em que as sombras mais pesam.

Estar na zona de sombra pode ser bom, pode ser aconchegante, a sombra como uma seda, o silêncio como um bálsamo. Mas a sombra é boa por contraste ao excesso de luz. Quando a luz desaparece e toda a vida é invadida pela sombra, começam a desaparecer as referências, começam a quebrar-se os laços com o que se situa no exterior, a solidão começa a criar raízes que sorvem toda a seiva, que puxam para o vazio aqueles que se encontram mais fragilizados. Há que evitar isso a todo o custo.


Por isso, se alguns dos meus leitores leram as minhas palavras com alguma angústia, peço que as vejam como um apelo para que não se deixem tomar pela desesperança. 

Por muito fracas que sejam as vossas forças, por favor reinventem-se, acreditem em que melhores dias hão-de vir, procurem a luz, a cor, a inocência do riso das crianças, o afecto dos animais - qualquer coisa. 

É certo que estes dias cinzentos não ajudam muito mas não faz mal, respirem o ar molhado, sintam o ar fresco nos vossos rostos, riam, pensem em coisas boas. Não cultivem a solidão, não se habituem à ausência, à falta de afecto e de esperança. Não deixem que se quebrem os laços que vos ligam aos outros.

...

E agora já chega de palavras senão ainda me dizem: falar é bom para quem fala de barriga cheia, para quem tem uma família boa, uma vida sem problemas.

Eu calo-me já mas, primeiro, deixem que vos diga que não sou uma construção ficcional, não sou uma abstração: não, eu sou de carne e osso, tenho problemas, passo por momentos complicados, sou igual a toda a gente. No entanto, não me dou por vencida, vou à luta, vejo o lado bom das coisas, ponho o mau para trás das costas. Mas, enfim, cada um é como é. E isto também não pretende ser conversa azulinha com passarinhos em fundo, daquelas de conversa fiada e de pseudo-auto-ajuda - até porque cada um é que sabe de si e onde mais lhe dói e se as penas de que padece são das que voam ou das que se enterram na carne.

E adiante que para a frente é que é caminho

Mas, de qualquer maneira, se é para ter música celestial, um céu muito azul, passarinhos e borboletas, que seja como deve ser. Portanto, música, por favor: Three Little Birds (aqui não por Bob Marley mas por uma menina com uma bela voz e muita alegria de viver, Connie Talbot). 


Uma alegria vê-la e ouvi-la.




*

Nota: Era para ter falado hoje de Os Idiotas do Rui Ângelo Araújo mas, com isto, acabei por me atrasar e amanhã tenho que me levantar cedo pois tenho um dia cheio de afazeres de toda a ordem (entre os quais votar, é claro). A ver se amanhã consigo.
*

Relembro: sobre o gnomo no jardim, isto é sobre o JRS - que a Clara Ferreira Alves demoliu sem dó nem piedade no Expresso deste sábado - é descerem, por favor, um pouco mais.

*

E tenham, meus Caros Leitores, um belo domingo.

sábado, setembro 28, 2013

José Rodrigues dos Santos e o seu último livro, 'O Homem de Constantinopla', sobre Gulbenkian: 'o Gnomo no Jardim' ou o balde de água fria deitado em grande estilo por Clara Ferreira Alves no Actual do Expresso deste sábado


Actual do Expresso

Gnomo no jardim e, ainda por cima, a cavalo num coelho
(isto dos coelhos é praga que não nos larga, credo -
claro que não tenho nada contra os coelhos de boa índole)


A propósito de gnomos, nomeadamente dos gnomos no jardim da literatura, a semana passada mostrei o meu desagrado pelas quatro páginas concedidas pelo Expresso ao novo livro de Valter Hugo Mãe. Os meios de comunicação social em peso a divulgarem uma coisa que não passa de um produto comercial de fraca qualidade, imprensa que deveria pautar-se pela exigência a dar honras de capa a um chorrilho de banalidades travestida de pseudo-literatura - tudo isso me arrelia imenso. Claro que tratando-se de produtos de consumo, consome quem quer mas a verdade é que toda a gente sabe que o mainstream se faz de conjugações mediáticas e, aos poucos, a exigência e a qualidade vão ficando pelo caminho. Um dia o campo estará minado por erva daninha - e é sabido como a erva daninha impede as outras espécies de vingarem. Estas coisas fazem com que eu me insurja. Num mundo perfeito toda a gente deveria estar sequiosa de obras de qualidade e, em contrapartida, ficar indiferente perante tentativas de aprendizes mal sucedidos.

Mas, enfim, esta semana o Actual do Expresso surpreendeu-me e eu aqui estou para mostrar o meu agrado. Chapeau.



Clara Ferreira Alves vai refinando na pontaria e na acutilância
(e, finalmente, parece ter acertado num look que a favorece bastante:
fica com um ar moderno, interessante, valoriza a sua maneira de ser)

Clara Ferreira Alves, alguém que sabe de crítica literária e mantém uma notável isenção (pelo menos, assim parece), dedica 3 páginas a José Rodrigues dos Santos (J.R.S.). 


Um texto fantástico a que deu o título assassino de O Gnomo no Jardim, título que airosamente assenta sobre a fotografia do ligeirinho e bem-sucedido artista (que vende livros às pazadas enquanto tanto bom escritor não sai do limbo da obscuridade). 






Transcrevo:


Também é verdade que certa crítica literária convencional, que em Portugal labora no equívoco dos compadres, na pressão dos pares e na cumplicidade com os autores, condena ao ostracismo autores populares. 

Não toca em J.R.S. nem com pinças. 

E é verdade que o que muitas vezes é considerado literatura não passa de uma redação de pomposidades e pretensiosismos, literatices embrulhadas numa sintaxe irregular e falsamente pós-moderna. 


E Clara Ferreira Alves termina o seu brilhante artigo referindo que a matéria prima usada na construção do livro - a aventureira e riquíssima vida de Gulbenkian - é da melhor. O pior é mesmo o que José Rodrigues dos Santos fez com ela. Volto a transcrever:

É como se JRS tivesse uma mansão construída com boa carpintaria e bons materiais e, ao acabá-la e decorá-la, não hesitasse em colocar dois leões de pedra na portaria e um gnomo no jardim. Como ele diria em tom conversador, o gnomo lixa tudo.

Com artigos como este de Clara Ferreira Alves, tal como com o de Valdemar Cruz sobre António Ramos Rosa a quem chama, 'O poeta cansado', faço, uma vez mais, as minhas pazes com o Expresso.


Os amores são assim mesmo, cheio de arrufos, briguinhas, estardalhaços... e de reconciliações. Por estas e por outras é que me mantenho fiel ao Expresso desde sempre.

*

Já volto.

Uma mulher cuja vida dava muitos livros, muitos filmes, onde sexo e pornografia política se misturariam - numa autarquia perto de si.


Tenho que ter cuidado com o que escrevo. Estou aqui na minha sala, praticamente às escuras, e ponho-me a escrever como se estivesse a divagar sozinha ou como se estivesse a confidenciar apenas junto de si, meu caro/a Leitor(a) que me está a ler. E, depois, por vezes, esqueço-me que não sei quem me está a ler.

Claro que tenho cuidados: se falo de pessoas reais, não apenas não divulgo o nome, como tento não dar pormenores que permitam identificá-las.

E, no entanto, como a escrever sou como a falar, pão, pão, queijo, queijo, nada na manga, nada de dissimulações, acontece que, apesar dos cuidados, sou tão realista que depois me vejo confrontada com situações imprevistas.

Uma vez escrevi sobre um ex-político, ex-ministro, e, embora tivesse tido o cuidado de não o referir explicitamente, não fui especialmente abonatória nas palavras. Pois bem, uns dias depois recebi um mail dele que me deixou sem palavras. Dizia-me ele que já muita gente o tinha tratado mal, que se tinha habituado a tudo, mas que, de tudo a que já se tinha visto sujeito, nunca se tinha sentido tão magoado quanto com as minhas palavras naquele dia. Era um mail longo e muito sentido. Nesse dia senti-me muito mal. Fui ao dito texto e alterei algumas palavras. O texto ficou lá, o sentido ficou íntegro, mas limei arestas, eliminei as expressões mais cortantes. E escrevi-lhe a explicar a razão da minha desconfiança em relação a ele, a razão do desconforto que me tinha levado a escrever aquilo, razões que, a serem verdadeiras, seriam motivo mais do que suficientes para eu pensar aquilo que tinha escrito, mas, de qualquer modo, a pedir desculpa se estava a ser injusta, acrescentando que apenas ele saberia se eu estava ou não a ser injusta.

Mas aquele mail de uma pessoa que se reconheceu nas minhas palavras e se sentiu magoada no mais profundo da sua alma, o tom amargurado das suas palavras, ficou e ficará para sempre a corroer a minha consciência: estaria eu a ser injusta? estarei ainda, ao não escrever uma coisa de sentido contrário ao que escrevi naquele dia? Não sei.

Outra vez contei aqui um conjunto de peripécias sobre uma pessoa com quem trabalhei, que tive a oportunidade e o privilégio de conhecer de perto, de quem fui muito amiga. Claro que tentei não ser explícita. Pois bem, no dia seguinte tinha um mail de uma Leitora a perguntar-me se não era fulano de tal, que o tinha conhecido muito bem e que tudo o que eu tinha dito batia certo. Confirmei, claro. Mas fiquei a pensar que tenho mesmo que ter cuidado.

Isto já para não falar da minha filha que volta e meia me liga a dizer 'ó mãe, então ontem estiveste a falar de fulana de tal...?' e quando eu pergunto se dava para se perceber, ela responde, irónica: 'nããããoooo...' como quem diz que estava claro como água.

Por isso, a partir de agora, vou tentar falar de um caso verídico mas cuja identidade não quero divulgar - até porque não é certamente caso único. Figura aqui a título de exemplo. Entendam como uma abstração, uma personagem ficcionada.

*
 Blue Moon (interpretada por Ella Fitzgerald)




Vem isto a propósito do filme que vi esta noite. Blue Jasmine. Quem viu o filme perceberá a razão da escolha da música Blue Moon, que agora talvez estejam a ouvir. Um belo filme, uma extraordinária interpretação de uma actriz que considero das melhores, das mais versáteis da actualidade, Cate Blanchett. Podia também referir a roupa dela, tão elegante, tão Chanel, mas isso seria fútil face à textura do filme cujas várias camadas o tornam tão interessante. Recomendo-o: é mais um belo filme de Woody Allen - o humor e a ironia no meio da tragédia pessoal, as situações desconcertantes mas tão realistas, a fragilidade e as contradições do ser humano.





A propósito de Jasmine - a mulher que constrói a sua vida em cima de expectativas, de ilusões, que constrói uma personagem para si própria, mas tudo tão frágil, tudo tão inconsistente - me lembrei de uma mulher com quem convivi durante muitos anos, talvez uns uns vinte anos. 

Gostaria de vos contar a vida desta mulher, tão cheia de peripécias, de dramas, de rábulas, de loucuras, de fantasias. É uma longa história que eu facilmente repartiria em fascículos, cada um mais inverosímil que o anterior. Mas não posso contar como gostaria pois alguém poderia reconhecê-la ao ler estas minhas palavras e longe de mim arranjar-lhe problemas. A vida é complexa demais para que alguém se arrogue o direito de julgar os outros só a partir de um punhado de palavras. Que ninguém use as minhas palavras como pedras.


Dir-vos-ei apenas que, quando a conheci, era uma jovem desinibida, muito vistosa. Vestia-se de uma forma provocante, vestidos muito justos, muito decotados, muito curtos.

Dava nas vistas, mas mesmo muito. Era viciada em toilettes e, embora estivesse com ela quase todos os dias, tenho a ideia de que não a vi repetir uma.


Acho que o ordenado deveria ser gasto integralmente em roupa, sapatos, carteiras, colares, pulseiras.

A cor do cabelo variava entre o louro, o ruivo, o castanho, o negro. Usou-o também de vários tamanhos e chegou a pôr extensões para ficar com ele bastante comprido. 

Nos primeiros tempos, vendo-a assim, admitia que fosse uma jovem caçadora. Os homens rodeavam-na cobiçosos e ela não se fazia rogada.

Por isso, um dia, numa festa, o meu queixo caíu quando a vi com marido e filha. Mais surpreendida fiquei quando conheci o marido. Uns anos mais velho que ela, ar de homem bem instalado na vida, por pouco quase passava por pai dela. Mas ela andava de roda dela toda dengosa, como se estivesse apaixonada pelo marido. E tinham um grande carrão. Soube depois a profissão dele, que ganhava muito dinheiro. E via-se.




Aos poucos fui conhecendo melhor: ela queixava-se amargamente dos ciúmes dele, que lhe telefonava amiúde, sempre a controlá-la, sempre a fazer cenas de ciúmes. Contava-me isto e eu ouvia-a perplexa porque, se eu fosse marido dela, também ficaria apreensivo. A forma, toda ela, da cabeça aos pés, como se arranjava, era do mais provocante que se pode imaginar. E depois, aos poucos, fui sabendo dos numerosos casos que ela tinha. Uma coisa inenarrável. Conheci alguns homens que estiveram na iminência de se separar das mulheres na esperança que ela aceitasse viver com eles. Ela alimentava a esperança, deixava-os de cabeça perdida, mas mesmo de cabeça virada do avesso, e depois acabava por ir adiando, adiando, até eles desesperarem. Por vezes era por eles, doidos da vida, ressentidos, magoados, que se sabiam as histórias. De vez em quando, via-a de ponto em fino, muito mais do que o habitual, sapatos de agulha, altíssimos, mais ainda do que o habitual, toda ela perfumadíssima, maquilhada como se fosse atravessar a red carpet, um aparato. Nesses dias, dizia que ia fazer um exame médico, que tinha uma consulta, coisa assim. E eu via-a a entrar para um carrão aparatoso que não era um dos do marido: havia programa especial.

Ao longo de todos estes anos, ela conversava comigo, omitindo em absoluto esse seu lado, fazendo de conta que era uma virtuosa mulher de família, vítima da incompreensão do marido. Não falava como se mentisse. Falava como se aquela outra que tinha casos com dúzias de homens, mas apenas os de condição social elevada, fosse outra, não ela. Contava-me angustiada que achava que o marido a traía e chorava, furiosa com o marido, como se não o perdoasse se as suas dúvidas viessem algum dia a concretizar-se. Eu ouvia todas estas confidências perplexa.




E ia de férias com o marido para os melhores locais, o marido tinha muito dinheiro, e parecia um casal feliz, não fora ela queixar-se das desconfianças em relação ao marido e não foram os ciúmes, que ela dizia doentios, do marido.

Entretanto, nas muitas incursões da sua vida dupla que a levaram a ir até para Espanha para sofisticados locais de férias com um dos casos que teve (dizendo ao marido que ia em trabalho), fazia por vezes acompanhar-se por uma outra (outra que tal mas de cabecinha mais fraca) que tinha um caso com um amigo do outro. Dois casais. Soube-se depois que estes dois casais saíam amiúde, faziam programas em conjunto.

Mas um dia, por uma zanga entre elas por causa de um dos homens, a outra denunciou-a ao marido.

Lembro-me bem: nesses dias ela chorava, injustiçada, que a outra que ela tinha por tão grande amiga e a quem tanto tinha ajudado, por inveja, má fé, tinha inventado intrigas horríveis e que estava a pôr em causa o casamento. Quis fazer queixa da amiga, que não admitia injúrias, calúnias, que a outra estava a atentar contra o seu bom nome, e chorava, sentida, preocupada com o que se adivinhava que iria ser o desfecho daquela história




Durante os meses em que durou a separação até ao divórcio foi o bom e o bonito. Dizia que estava com uma depressão, supostamente terá mesmo cometido actos desesperados, dizia que a outra tinha destruído a vida dela, chorava, chorava, furiosa. Sabendo o que sabia, parecia-me que a preocupação maior deveria ser a de ir perder a boa vida que tinha, dado os elevados rendimentos do marido, mas, a verdade é que ela parecia sincera quando chorava, como se amasse mesmo o marido.

Por vezes aparecia sem se maquilhar, olhos inchados, abalada, infeliz, numa prostração que dava pena, parecia outra.

Divorciaram-se.

A partir daí os casos multiplicaram-se, como sempre tudo homens com dinheiro. Por mais do que uma vez me pareceu que aceitava de bom grado vultuosos presentes e soube, a posteriori, que aceitava que lhe emprestassem consideráveis quantias de dinheiro, supostamente para fazer face a despesas com a filha. Mas eu via-a, então como sempre, vestida de ponto em fino, carteiras e sapatos de marca, perfumes caros, e sabia-a frequentadora de grandes restaurantes, a ir a espectáculos, a ir passar fins de semana aqui e ali.


O tempo passou mas foi generoso com ela. Continuou provocante, toda ela sempre pronta para seduzir.

A filha fez-se adolescente e ela contava-me as crises com a filha, as pegas, as discussões. Toda ela uma mãe atenciosa, preocupada, sempre furiosa com o ex-marido porque não dava o apoio devido à filha. Falava-me também das preocupações com os pais, a envelhecerem, os problemas da idade que trazem surdez, alguma confusão, o medo que tinha por eles, que o pai ainda conduzisse, a mãe que quase não saía de casa. Não tenho dúvida de que estava a ser sincera. Nas nossas múltiplas e longas conversas nem ao de leve, alguma vez, ela foi outra que não uma mulher a quem o marido abandonou porque andava metido com outras, desgraçando a vida tão boa que tinham, uma mulher agora sozinha com uma filha adolescente e pais velhos.

Entretanto, sabia-se dos telefonemas ameaçadores que recebia das mulheres dos homens com quem andava, telefonemas de bancos por causa de empréstimos que contraía e se atrasava a pagar (como já não tinha o nível de vida assegurado pelo marido, começou a recorrer a empréstimos). Mas isso eu sabia por quem acompanhava esse seu lado ou por telefonemas que se ouviam. A mim nunca tocou nisso, nem sequer, alguma vez, mostrou medos por algo que se passasse nesse seu outro lado. E eu sempre respeitei essa sua postura, sempre a ouvi como se acreditasse naquela fantasia toda.


Acontece que, a certa altura, começou a dizer que tinha um grande amigo (por acaso, o que a ia buscar num bruto carrão) que se ia candidatar a uma junta de freguesia e que ela, se calhar, se ia meter na política, que ele a tinha convidado para a lista dele.

Fiquei, eu e toda a gente que a conhecia, de boca aberta.

No meio da sua vida tão cheia de cenas nunca, nunca, nunca se lhe tinham visto quaisquer interesses pela política. Mas a ideia parecia mesmo ir concretizar-se. Pediu para negociar a saída da empresa onde trabalhava, recebeu uma indemnização e despediu-se.

Eis senão quando confidenciou a alguém que estava furiosa com esse amigo porque afinal o lugar que ele tinha para lhe oferecer na lista não era elegível. Ainda mais admirados ficámos. Mas, com a vida que levava, estava a pensar mesmo ir para uma Junta de Freguesia....?




Mas a fúria não durou nem uma semana. Toda orgulhosa, contava que tinha sido convidada pela principal lista adversária mas agora já para a Câmara. Arregalámos os olhos. Dizia que contava ser eleita e que o chefe de cartaz, pessoa muito conhecida (podem crer), lhe tinha garantido um lugar, mais certo ia ser vereadora.

A loucura.

Em menos de uma semana tinha passado da pretensão de ingressar uma lista para uma Junta de Freguesia para um lugar elegível na lista oposta e para uma grande Câmara Municipal.




Pensámos todos: furiosa com o amigo, vingou-se e já anda metida com o rival político do outro.

Se andou ou não, o certo é que na noite das eleições todos a vimos na televisão a cantar e aos saltos no palco, na sequência da vitória da sua lista. Por um triz não ficou vereadora mas o novo amigo arranjou-lhe um lugar fantástico que não lembraria ao diabo.

Por essa altura perdi-lhe o rasto. Aquela tinha-me parecido demais. Uma coisa era andar de cama em cama com tudo o que era homem com dinheiro (acho que sempre alimentando a esperança que algum deles fizesse dela a sua mulher, pois não conheci até hoje mulher mais deslumbrada pela vida fácil. E, no fundo, não sei se não andava sempre à espera de descobrir um grande amor - mas fazendo sempre tudo errado, sempre más escolhas, escolhas impossíveis, sempre metida em sarilhos), mas outra, bem diferente, era levar essa insanidade para a política, para cargos onde é suposto estar-se para servir os outros.

Passaram, pelos vistos, já quatro anos.

Ontem estava eu a telefonar, de pé, à janela. O piso onde estou é alto, os vidros são duplos: não se ouve nada. Mas reparei que, lá em baixo, uns carros andavam às voltas com bandeiras, que no passeio ia um cortejo distribuindo panfletos. No meio do cortejo ia ela, toda sorridente e produzida como sempre.




Não me admirei mas voltei a sentir uma incómoda estranheza, como que uma náusea.

A política hoje, em Portugal, é a ausência de política, é uma mescla de interesses das mais variadas espécies.

Claro que há certamente ainda pequenos nichos de nobreza de intenções e de carácter. Mas devem ser raros.

Seja como for, vamos votar - na melhor solução possível, mesmo que vamos como eu: um pouco contrariada por não ver extraordinária qualidade em todos os que fazem parte das listas em que votarei. Mas, enfim, do mal o menos.

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Trailer de Blue Jasmine, o último filme de Woody Allen com a luminosa Cate Blanchett



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As fotografias são todas de Cate Blanchett no mais recente filme de Woody Allen, Blue Jasmine.


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belíssimo fim de semana!

sexta-feira, setembro 27, 2013

A Isabel Moreira (deputada independente do PS) é que os tem no sítio... Estive há bocado a vê-la na SIC com o deputado António Rodrigues do PSD e até tive pena do senhor, coitado, até acabou o programa todo corado. Trucidado. O Tozé bem que podia aprender com ela a fazer oposição sem medo - e tanto que há a denunciar, senhores... (E a pouca vergonha das autárquicas? O Seara e o Menezes, olha que dois. Uma indigência. Se receberem mais que dois votos cada um fico perplexa. Gentinha desqualificada, senhores)


No post a seguir a este pronuncio-me sobre o tratamento por tu que alguns leitores utilizam quando falam comigo. E, de caminho, ponho-me a conversar convosco, vou falando à medida que a conversa me ocorre, conto-vos algumas coisas sobre mim para que melhor me percebam. 

Mas isso é lá em baixo. Aqui, agora, a conversa é outra. 



Isabel Moreira na SIC - uma guerreira
(uma guerreira que usa lingerie muito feminina,
a alcinha do soutien descaíu, uma alça branca com bordadinhos)


O tema do arranca-rabo na SIC Notícias era, claro está, mais uns chumbinhos do Tribunal Constitucional. Este Governo é um fora de lei, pensa que isto é um Far West sem xerife. Só que, de vez quando, é confrontado com a dura realidade. Ultimamente, aliás, tem sido uma coisa demais.


Nem vou pronunciar-me sobre isso. Não vale a pena. Qualquer governo formado por gente decente já se tinha demitido há muito tempo. Estes levam na tromba e nem se enxergam (e vocês, por favor, desculpem lá este linguajar mas, já sabem, estes fulanos tiram-me do sério). Não têm vergonha nenhuma, apanham e voltam a apanhar e voltam a reincidir. Uns delinquentes.

Armam confusão por onde passam, um diz uma coisa, o outro diz o contrário, um que a economia está a crescer e que já vai escada acima, o outro a dizer que tão mal isto está que tem que vir mais um resgate. Resultado de toda esta baderna: zero. Qual zero? Abaixo de zero, negativo, muito negativo, um buraco sem tamanho. As agências de rating já estão a ver o que qualquer pessoa que faça contas percebe facilmente: com esta economia e com este governo a governar com as patas, a fazer tudo ao contrário, vamos pagar a dívida mas é nunca.

Mas eles continuam na deles, a assobiar para o lado, a fazer de conta que não é nada com eles.

Agora apareceu-me aqui o Paulo Portas, todo bronzeado como de costume - mas onde é que ele arranja aquele bronze, senhores....? - a dizer que apesar dos chumbinhos, o melhor da lei tinha passado e que isso era do mais importante que há para estimular a economia. Ó santa ignorância... Mas alguém vai formar negócios ou admitir pessoas, com a economia de pantanas e com este bando de incompetentes a dizerem e fazerem disparates ininterruptamnete, só porque despedir pessoas é quase limpinho...? São doidos.


Os patrões, aqueles que interessam, fazem de tudo para não despedirem as pessoas, não gostam de o fazer, não querem atirar os seus colaboradores para o desemprego. A lei laboral não é nem nunca foi (mas isto desde há décadas) entrave para o que quer que seja. O entrave são as medidas que, ao longo dos tempos, têm desincentivado a indústria, são as medidas deste governo para enfraquecer o ensino, é a aleatória e estúpida política fiscal.

Só gente muito burra é que acredita que andar a maçar toda a gente com isto do código do trabalho, reuniões e mais reuniões em sede de Concertação Social, tudo para enfraquecer os direitos dos trabalhadores torna a economia mais competitiva.


Entrave e atraso de vida - para além de termos um (des)Governo que não é amigo nem do crescimento, nem do emprego, nem dos portugueses - é, também, termos tanto autarca (e candidato a autarca) estúpido, a querer gastar dinheiro à tripa-forra em coisas que não interessam nem ao menino jesus.

As parvoíces que tenho ouvido nas reportagens da TSF... Parece coisa do além. 



O Cacos, o Tortas e o ex da Judite, o engatatão das dúzias, o Seara:
podiam ser os 'bons malandros' se fossem bons.
Assim são apenas más companhias.


Hoje o Seara dizia, naquela sua voz de tia histérica, que ia fazer trinta por uma linha e tudo até ao dia 1 de Abril e, interrogava ele a audiência, mas porquê o dia 1 de Abril? por ser Dia das Mentiras? E respondia, ufano, logo de seguida: Não. Porque é o dia dos meus Anos.


Se estivesse ao pé dele acho que lhe faria um sonoro daaahhh... ou seja, uma daquelas novas interjeições que revelam que a gente está a falar com um anormal. Mas o que é que a gente tem a ver com o dia dos anos do Seara, ó sorte malvada?

Já antes tinha ouvido o outro artista, o Menezes, também a prometer mundos e fundos e mais um par de botas e, ainda, por cima, a anunciar guerra do Porto a Lisboa - a reacender o mais primitivo bairrismo. Ó gentinha desqualificada.


Não tenho paciência. Gostava de ter mas não tenho. Isto é de uma indigência verdadeiramente under dog. Parece que é gente que vive noutro mundo.

Mas o que me deixa perplexa é como é que é possível que, depois de o PSD e o CDS andarem a fazer porcaria, mas porcaria da grossa, há tanto tempo, ainda haja alguém que dê ouvidos a gente destas. Como é possível, caraças...?!?

Por isso limito-me a dizer ao Tozé que ponha os olhos na Isabel Moreira. Sem medo, a falar claro, raciocínio ágil, língua afiada. Dá gosto ouvi-la. Não fica a pensar com olhar de gato pingado, não tem medo de responder na hora. É uma política de mão-cheia e, de dia para dia, tem-se vindo a auto-construir. Tivesse o PS uma boa meia dúzia de Isabeis Moreiras e outro galo cantaria. Assim, com este Tozé, a oposição quase não passa de um exercício de piu-pius.


*

Relembro: abaixo há mais (muito mais... é que, uma vez mais, escrevi para além da conta). Falo de mim, de como sou - para vos explicar o que sinto quando me tratam por tu.

*

Hoje é daqueles dias em que o sono que se foi acumulando desde o fim de semana até agora e em que estou a escrever meio  a dormir. Volta e meia cabeceio e, nem sei como, ainda não caí da cadeira abaixo. Por isso, fico por aqui. Mas vocês desçam até ao post seguinte. Se encontrarem gralhas, olhem, deixem-nas a cantar que eu amanhã, quando puder, logo faço uma faxina aqui no texto.  

*

Desejo-vos, meus caros leitores, uma bela sexta feira!

Se eu gosto que pessoas que não conheço ou que mal conheço me tratem por tu...? Eu respondo. E, de caminho, conto algumas coisas a meu respeito. E, para o texto não ficar chato para além da conta, intercalo umas fotografias de Helmut Newton. E acompanho com 'You've got a friend'. Talvez percebam onde é que eu quero chegar com o cocktail que aqui vos deixo.


You've got a friend
(a sério)




Num dos posts anteriores desencadeou-se uma polémica entre Leitores a propósito de me tratarem ou não por tu.

Vou falar disso mas começo por dizer que não vale a pena zangarem-se uns com os outros, muito menos por um motivo destes. Muito gostaria de saber que por aqui, no Um Jeito Manso, toda a gente está numa boa.

Se um dia me saísse o euromilhões gostaria de ter um espaço amplo, luminoso (tendo contudo algumas zonas de sombra para momentos de cumplicidade), quiçá pudesse ser no Ginjal para ter uma maravilhosa vista sobre Lisboa, sobre o Tejo, talvez de onde se vissem também árvores, espaço esse onde se expusessem obras de arte, onde houvesse gente a tocar, a cantar, a dizer poesia, a dançar, onde as pessoas se juntassem para falar de livros, de política, do que lhes apetecesse. Também para provarem iguarias raras, petiscos, simples sandochas. Um espaço de tertúlia e descontracção, onde a beleza e a serenidade habitassem.


Não é exactamente assim que imagino o meu espaço de tertúlia e artes e bem-comer mas, enfim, assim também não seria mau de todo.

As pessoas poderiam exaltar-se, os temas interessantes ou a arte por vezes levam à exaltação. Mas a exaltação não é o mesmo que zanga. Muito gostaria que por lá as pessoas respeitassem sempre as diferenças, que fossem generosas, que soubessem demonstrar estima umas pelas outras.

Enfim, é um sonho que tenho. Mas, enquanto não me sai o euromilhões, espero que este espaço, o Um Jeito Manso, embora virtual, seja um bom sucedâneo.

Mas agora o tema é o do tratamento por tu.

Começo por dizer: ao contrário do que por aqui, ao escrever tanto, poderá até parecer não sou daquelas pessoas tagarelas que falam pelos cotovelos, que metem conversa com toda a gente e, que, ao falar, põem a mão no braços das outras pessoas, coisas assim.


Pelo contrário. Aliás não gosto nem um bocadinho de pessoas dadas a familiaridades, a proximidade física imediata.

As pessoas que me conhecem mal acham que guardo distâncias, dizem depois que se sentiam intimidadas por mim.

De facto, não sou de dar confiança à toa. Trabalho num grupo empresarial onde trabalha muita gente, sempre trabalhei em ambientes assim. E, no entanto, em todo este tempo, apenas tratei por tu duas pessoas. São dois colegas folgazões que tratam por tu toda a gente e de tal forma descontraídos que se marimbaram para as minhas distâncias e começaram a tratar-me por tu, sem me darem hipótese a armar-me em esquisita.

De resto, a toda, toda a gente, mesmo a grandes amigos, trato por você. Aliás no meio em que me movimento habitualmente toda a gente se trata por você.

No entanto, trato os meus filhos por tu e eles também a mim, porque foi assim que começou e assim ficou.

Também há outro aspecto: se começo a tratar uma pessoa de uma determinada maneira dificilmente altero. Não me sai. Não é por nada, é apenas porque parece que essa forma de tratamento fixou fixa na minha cabeça. Por exemplo, se comecei a tratar alguém por Dr. Não-sei-quantos dificilmente deixarei cair o Dr. Tenho imensos casos desses: ao principio havia alguma reverência e o título precedia o nome e depois, apesar de a reverência caído, o título não caíu nem por mais uma.


Geralmente também, no trabalho, quase toda a gente, ao dirigir-se-me, precede o meu nome pelo título. Não sou nada de galões, nada, nada, mas acho que aquele prefixo me dá a segurança de uma barreira. Não sei. O certo é que tenho que reconhecer que se me aparece algum daqueles putos consultores ou auditores que gostam de se armar em íntimos de toda a gente e me tratam só pelo nome, fico incomodada, tão incomodada como se me estivessem a pôr a mão na perna. Não me perguntem porquê porque sei que é ridículo. Mas é a pura verdade.

Recebo, no trabalho, com frequência mails de pessoas que obtiveram o meu contacto e me escrevem mails a apresentar-se e, geralmente, a pedir alguma reunião. Se têm a pouca sorte de se me dirigirem num registo que me parece informal, tratando-me directamente pelo meu nome próprio sem mais nada, fico logo de pé atrás e dificilmente respondo favoravelmente (até para não ter, depois, a experiência desagradável de os ouvir depois tratarem-me como se me conhecessem de há longa data).

Antiquada, elitista, sei lá o quê? Talvez, não discuto. Mas é assim. Involuntariamente, mas é.

Já uma vez aqui o contei: quando os meus filhos eram miúdos fomos uma vez com eles a uma Festa do Avante. Tenho ideia que foi no último ano em que foi na Ajuda. Tinha ouvido falar em artesanato, ar livre, etc, e achei por bem que devia ser uma coisa engraçada para passarmos um bocado do dia. Pensámos em ir por volta da hora do almoço e ficar para a tarde.


A experiência não podia ter sido pior. Estava um calor abrasador. Os miúdos queriam cá saber de artesanato, não achavam graça nenhuma àquilo, o tempo todo a querem ir-se embora, que era uma seca, nada para fazer, e todos encarnados, transpirados, aborrecidos. A nível de artesanato aquilo também era fraquito pelo que eu própria também não estava entusiasmada.

Mas o pior foi para almoçar. Na minha inexperiência eu ia a imaginar uma coisa de tipo restaurantes da Feira Popular, tipo esplanadas com mesas, pratos a sério, copos de vidro, onde a gente se sentasse e fosse servida, podendo comer com algum conforto. Mas não: eram pequenas tasquinhas em que serviam em prato de plástico e íamos com a comida na mão à procura de mesa.

Desconfortável especialmente quando se vai com miúdos cheios de calor e contrariados. O meu marido, por seu lado, abomina confusões, lojinhas de artesanato (coisas que ele acha que são uma treta, que não servem para nada, só para andar por cima dos móveis a atrapalhar), detesta tasquinhas em que há barafundas e comida em prato de plástico, odeia andar devagarinho de poiso em poiso a ver coisas que, segundo ele não têm nada para ver. De modo que era eu pouco convencida, ele enfastiado, os miúdos furiosos e cansados, e todos cheios de calor.

Mas o pior era outra coisa: é que, para agravar ao clima, toda a gente em todo o lado me tratava por tu, senão mesmo por camarada. A comichão que aquilo me fazia... 'O que é que vai ser, camarada?', 'quantos copos é que queres?' - tudo nesta base. Até me encolhia toda por dentro.

E é que nem é tanto que me tratem por tu.

O pior é que eu não consigo tratar por tu pessoas que não conheço, de quem não sou íntima, a quem não me habituei a tratar por tu desde o primeiro minuto em que os conheci. Não consigo. Não é uma questão de vontade, é mesmo uma impossibilidade.

Mas então ficaria uma situação desconfortável, os outros a tratarem-me na maior familiaridade e eu a tratá-los por você, com uma certa distância. Iria parecer chazada da minha parte e também não é. Só que ficaria estranho. Prefiro evitar.

Fiquei traumatizada. Nunca mais lá pus os pés. Apenas há um ano ou dois voltei a ir e mais para ver se estava melhor e para fotografar.

E voltei a não ficar convencida. Tem um certo lado pictórico mas, tirando isso, não acho piada.

Claro que talvez, se fosse para os espectáculos, já gostaria mais, mas nunca calhou. Depois, claro, não me identifico com palavras de ordem de punho no ar, com palavras de ordem contra o patronato e outras mistificações que talvez tenham feito sentido noutra era, noutras circunstâncias, não agora.

(Punho no ar sim mas no momento certo, onde faça sentido, não no meio de uma festa, à soalheira, onde não há inimigos nenhuns por perto)

Mas voltando ao tu para aqui, tu para ali. 

Aqui, quando algum leitor me trata por tu, alguém que não conheço pessoalmente, não fico incomodada. Percebo que é um registo normal para quem usa essa forma de tratamento – e quem o faz, pode continuar a fazê-lo. Na boa. Fico é desconfortável a responder, faço uma ginástica do caraças para usar uma forma indefinida, de modo a fugir ao tu mas de modo a que o Leitor não o perceba.


Nestas coisas bem mais fácil é a língua inglesa. Tenho que falar frequentemente em inglês, quer com ingleses quer com pessoas de outras nacionalidades. Ainda recentemente tenho tido reuniões com alemães e, como não pesco nada de alemão, nem eu nem os outros participantes portugueses, falamos em inglês. Pois bem, sejam quem forem, presidentes de empresas ou jovens assessores, são todos you, nada cá de etiquetas ou pruridos.

Já com os espanhóis é o oposto: é tu com toda a gente, mas tão generalizadamente o é, que com eles não há outro remédio senão tratá-los também por tu.

O drama na nossa língua, o português de Portugal, é que tem este lado de cheio de nove horas que se presta a esta segregação.

De qualquer maneira, que não vos fique a ideia de que, lá por isso, sou uma nariz empinado, arrogante, armada ao pingarelho. Não, nada.

E, depois, há uma coisa surpreendente. Apesar de eu ser assim, nada de familiaridades, confidências, intimidades, as pessoas vêm ter comigo e desatam a contar-me a vida toda. Não sei porquê. Se comento isto em casa, perguntam-me ‘Mas a que propósito te contam isso tudo?’. Respondo que não sou eu que pergunto. Geralmente não faço perguntas. ‘Então começam a contar-te assim, do nada?’. É, geralmente é mesmo assim: do nada.

Ainda não há muito tempo estava à espera de vez para comprar peixe no supermercado.  O meu marido tinha ido dar uma volta por outro lado, talvez comprar pão ou vinho ou azeite que são coisas que ele gosta de escolher. Fiquei ali na minha. Ao meu lado estava uma senhora um pouco mais velha que eu, muito bom ar, o marido um bocado afastado, ali ao pé das bancadas do bacalhau. Então a senhora disse-me que ia comprar peixe espada, que lhe parecia bom. Devo ter esboçado um sorriso e dito que sim. Depois disse-me que o filho ia a casa dela e que sempre tinha gostado muito de peixe espada, que ela, quando ele lá ia, tentava sempre fazer qualquer coisa de que ele gostava. Daí, nem sei como, começou a falar-me dos problemas do filho, da separação, da guarda dos filhos, a ex-mulher uma mulher complicada, e ele, por causa de tudo, já com problemas de não conseguir dormir, e preocupações também no trabalho e que ela sempre ajudaria o filho e já me contava situações concretas, já de lágrima ao canto do olho.

Quando chegou a minha vez de ser atendida e depois me despedi, a senhora pôs-me o mão no braço e desculpou-se e depois agradeceu-me. O meu marido, entretanto, tinha-se despachado da sua ronda e observava ao largo. Quando cheguei ao pé dele, perguntou-me 'Mas o que era aquilo? Quem é?'. Disse-lhe que não fazia ideia. E contei-lhe. Só não se admirou mais porque isto é frequente.

Uma vez estava eu a estacionar o carro num jardinzito relativamente perto da minha casa. Reparei numa senhora vestida de preto, talvez de uns setenta anos, que estava sentada num muro um pouco mais à frente. Qual o meu espanto quando vejo a senhora levantar-se e vir na minha direcção. Sem mais nem ontem, disse-me ‘Morreu o meu filho. Tinha sido internado e foi piorando mas nunca pensei que fosse morrer. Eles começaram a preparar-me mas eu nunca acreditei. Agora vou todos os dias ao cemitério, estou lá muito tempo. Mas depois não consigo estar em casa. Venho para a rua, ando por aí, mas também não consigo andar o dia todo pela rua. Agora sentei-me aqui e fico à espera que se faça de noite’. E chorava. Devo ter estado ali a ouvi-la bem mais de meia hora. Eu estava impressionadíssima, a dor daquela mulher era imensa, uma coisa irreparável. A custo consegui despedir-me. Não me parecia justo ou humano interrompê-la. Quando contei ao meu marido o que se tinha passado ficou um bocado admirado, ‘Mas veio ter contigo e desatou a contar-te isso, sem mais nem menos?’. Justamente.

Por isso, há qualquer coisa de contraditório em mim. Embora eu seja um bocado reservada no convívio, embora as pessoas percebam que não sou de tu cá, tu lá, sou, apesar disso acho que percebem que sou de confiança. E sou mesmo.

Sei a vida pessoal, íntima até, da maior parte dos meus colegas. Não lhes pergunto. Vêm ter comigo e contam-me. Aconselho-os, dou a minha opinião. E nunca divulgo, nunca comento com mais ninguém. É a vida das pessoas e eu respeito-a em absoluto.

Aqui na net é a mesma coisa. Vocês, aqueles que não me escrevem, não imaginam a quantidade de mails que recebo. As pessoas contam-me os seus problemas, conversam comigo. E eu ouço-as, aqui como em todo o lado. Ouço com compreensão, estima, solidariedade. Os meus amigos que têm tido oportunidade de me escrever, sabem que estou a falar verdade. Posso não ter muito tempo e, por isso, não consigo ser tão assídua quanto gostaria. Se tivesse tempo não deixaria passar tanto tempo sem saber dos amigos de quem deixo de ter notícias durante um espaço de tempo - o que tantas vezes me deixa intranquila.

Sou assim, próxima. Mas... não me peçam que vos trate por tu.

Mas, quem assim me trata, continue, por favor. A sério. Numa nice.

*

As fotografias são todas de Helmut Newton. 

quinta-feira, setembro 26, 2013

O estranho desfecho do percurso de uma menina rica que se tornou uma advogada de sucesso e uma mãe orgulhosa. Infelicidade ou crime? Quem é Charo? Uma mulher abandonada pela sorte ou uma perigosa assassina? A história que está a deixar em choque a comunidade de Santiago: Rosario Porto e Asunta Basterra, os nomes que enchem os jornais da Galiza, que assustam a comunidade que tão bem as julgava conhecer.





*

Não sabemos de nada. Como podem alguns fazer juízos precipitados quando é tão difícil saber alguma coisa? 

De que somos feitos? De que incógnita matéria? De que estranheza? De que ténues fios que tão facilmente se quebram?

Podemos ser normais, felizes, sorridentes, ter uma vida perfeita e depois, sem que se perceba bem porquê, tudo se começa a desfazer, tudo. Talvez ninguém dê por nada, talvez nem se lembrem de nós, se calhar a erosão da nossa felicidade começa sem que ninguém o perceba.

Talvez nem nós percebamos que o caminho que estamos a percorrer é o que nos conduz ao abismo. Não sei.

Talvez, por vezes, nos olhemos ao espelho ou olhemos o que fomos, sorrisos presos dentro de fotografias emolduradas, nós que já não somos o que éramos naquele outro tempo. Talvez pensemos: onde está a pessoa que um dia fui? Mas pode também acontecer que não pensemos nada. Pode acontecer que por dentro de nós haja apenas um imenso vazio.




Uma mulher sorridente, olhar franco, o marido reservado, a filha. Passeando nas ruas da cidade, bem sucedidos, exemplares.

Ou não?

É tão difícil perceber. Será uma parte do cérebro que escurece? A sombra que invade as ruas esgueirando-se, também, para dentro de nós, uma parte de nós a viver na sombra, uma sombra espessa, silenciosa, devorando a nossa felicidade. Será?

Quem os conhecia bem não percebe, pois, o que possa ter acontecido. Lembram-se agora que nos últimos tempos a felicidade já não se passeava a três pela rua mas quem dá pela falta de três pessoas numa cidade?

Os mais velhos olham-se uns aos outros tentando encontrar, algures no passado, uma ponte que leve ao local onde se esconde o segredo. Mas o passado não tem respostas. Só estranheza, uma estranheza fria, misturada com medo.

A menina era um caso à parte, exemplar.




Estava um ano avançada nos estudos em relação à sua idade. Exímia em música, em dança. Esguia, quase a fazer treze anos. 

A mulher, mãe da menina, advogada, 44 anos, filha única, bonita, pertence a uma abastada família, o pai também advogado, a mãe professora universitária.





Toda a gente conhece a família, têm pertences, propriedades, têm história. O pai foi cônsul de França. Depois passou o cargo à filha. Tudo sem uma mácula, tudo muito bem. Numa sociedade católica, tradicional, está é o exemplo de uma família típica, com raízes sólidas na comunidade.

Ligada aos meios mais progressistas, casada com um jornalista, tinha uma vida profissional intensa, bem sucedida. As imagens mostram-na segura e sorridente. Talvez não tivessem conseguido ter filhos. Não se sabe agora se houve um processo traumático de sucessivas tentativas mal sucedidas. Aquilo de que as pessoas se lembram é que há cerca de doze anos foram buscar esta menina, então apenas com meses, à China, uma menina que adoptaram.

Depois deram entrevistas, disso as pessoas lembram-se. A adopção tinha corrido muito bem porque ambos queriam mesmo uma filha, porque a rodearam de afecto. Sorriam, felizes com a sua menina tão afectuosa, tão talentosa, tão inteligente.

Mas as sombras talvez estivessem já a fazer o seu caminho. Não sabemos. Talvez só uma pessoa o saiba, se é que o sabe. Ela.




O que também se sabe é que há algum tempo a sua vida começou a mudar. Fechou o escritório de advocacia, deu baixa da carteira profissional. Começou a representar interesses comerciais em Marrocos, a viajar muito para lá. Dizem que era vista frequentemente na companhia de um marroquino, seu amigo.

Depois, aconteceu uma coisa que deixou a comunidade em choque. Um dia, ao chegar a casa, o velho advogado encontrou a sua mulher morta. Uma morte súbita, inesperada, o senhor devastado. Ela também. Todos.

Mas a desgraça quando começa a rondar, nem sempre se contenta assim tão facilmente. Uns meses depois foi a vez do pai também aparecer morto. Também na sua casa, também sem que nada o fizesse esperar. No espaço de poucos meses, a bela advogada perdeu os pais, ambos de morte súbita.

É sabido: acontece muitas vezes que, quando a pressão é muita, os relacionamentos não resistem. Foi o que aconteceu. Depois da morte dos pais, a que antes era uma sorridente mulher e o jornalista separaram-se.

De repente quase sozinha, sem pais, sem marido, era apenas ela e a filha. Dizem que estaria a receber tratamento psicológico.

As sombras não são boas companheiras, parece que sugam a vida. Aos poucos, a vida, destituída de luz, vai procurando mais e mais sombra, a matéria vai ficando rarefeita, apenas o silêncio já parece suportável. E depois já não são apenas sombras, já é um negrume que avança como irreversível gangrena.

No domingo passado foi a vez da menina aparecer morta. Foi encontrada num campo perto da casa dos avós, umas cordas cor de laranja por perto.

Por essa altura, já a mãe e o pai tinham participado à polícia o seu desaparecimento.

Na tarde de sábado, teria ficado em casa a fazer os trabalhos escolares. A mãe teria ido fazer umas compras, teria ido depois a casa da família, àquela em que os pais apareceram mortos. Quando regressou a casa não encontrou a menina. Pensou que estivesse com o pai, era normal, ele mora a cem metros, davam-se bem, dizem que adorava a filha, que estavam juntos sempre que podiam. Mas não estava. Esperaram. Depois participaram o desaparecimento.

Quando o corpo apareceu, os pais foram ouvidos, a polícia queria perceber o que poderia ter motivado o hediondo crime, ver se detectava algumas pistas.

Mas as contradições da mãe foram muitas. As câmaras de vigilância mostram que a menina, afinal, na tarde deste sábado, saíu no carro com a mãe. Em casa dos avós, onde a mãe diz ter estado, a polícia encontrou restos de cordas cor de laranja.


Dos primeiros exames, a polícia concluíu que a menina não morreu ali onde a encontraram, que o crime aconteceu num noutro local, e que foi, depois, levada para o campo. Chegaram agora os resultados que se esperavam: foi sedada, asfixiada, amarrada e, depois, transportada.


Depois da menina ter sido cremada, a polícia prendeu a mãe, Rosario Porto Ortega. É a principal suspeita da morte da filha, Asunta Basterra. Diz-se agora que Asunta era a principal beneficiária da herança da fortuna dos avós, o advogado Francisco Porto Mella e a professora María del Socorro Ortega Romero, uma das famílias mais estimadas de Santiago de Compostela. O pai, o jornalista, Alfonso Basterra, também foi constituído arguido mas, ao que parece, por razões processuais.


A Galiza, aqui tão perto, está em choque. Ninguém consegue compreender uma coisa destas. Dizem que tal não é possível, que Charo não poderia ter feito uma coisa assim - mas já não sabem de que coisa estão a falar, não conseguem sequer formular as medonhas ideias que lhes ocorrem. Atordoados, olham para trás, tentam encontrar, algures no passado, algum indício. Mas não encontram. 


Estranha é, pois, a matéria de que somos feitos.



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A música é Perdóname de  Pablo Alboran com Carminho

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma quinta feira muito boa. 
E que as sombras nunca invadam as vossas casas, as vossas almas.